22.7.14

O ADN da saudade

Mal se tinham inaugurado as nove da manhã e já o sol oferecia vinte e um graus. No carro a companhia mais recente, naquele modo repetitivo que sempre me acontece quando compro um CD novo. A música preferida toma conta do espaço. Subo o volume. Acompanho a letra que tanto gosto de cantar. Será sempre impossivel ignorar o peso da música e da dança na minha vida. Vieram comigo, não sei muito bem alojadas onde, mas entranhadas na alma, seguramente. Fazem parte do meu ADN. É tão diferente a vibração do corpo, quando cantamos. Nem vou falar do que sinto, quando danço! Mas cantar tem o mesmo efeito de uma relaxante massagem, mas neste caso, a massagem é no espírito. Não será por acaso que diz o povo que, quem canta, os seus males espanta. E de repente, embalada neste ritmo, sinto-te tão perto, avó. Se há imagem impressiva que guardo de ti é a das tuas cantorias. Curiosamente, sendo a costura o teu oficio, foi sempre a cozinhar que te ouvi cantar mais. Suponho que na costura a concentração, o brio e o preceito em que eras exímia, te aperreassem mais a alma. Mas no meio dos tachos, com a mão na massa, eras tão livre. E tão feliz! No meio do Zambujo, juntas-te a mim e vejo-te sobre a bancada de mármore da mesa no centro da cozinha, erguendo a pirâmide de farinha, abrindo a cratera no seu centro, nela depositando as lascas de margarida, as pedras de sal grosso que brilhavam, o ovo que desmaiava como lava, lava que continhas entre os teus dedos, envolvendo tudo, na massa que depois tendias. E dali nascia um tesouro que embrulhava carne picada com chouriço, generosamente aromatizada de salsa... os melhores pasteis de massa tenra do mundo! Hoje estiveste comigo, cantámos juntas, bem sei. E se alguma dúvida houvesse do que de ti guardo nos meus genes, ao olhar o espelho da pala que me protegia da luz que me trazia as lágrimas aos olhos, as sardas atiçadas pelo sol que encontrei e o brilho dos teus olhos - o brilho, não a cor do teu límpido e inigualável verde! - ali refletidos, foi a ti que espelharam, não a mim.


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