7.7.14

Nenhuma notícia acontece só aos outros

Fez este fim de semana uma semana e fui das que, no meu FB pessoal, partilhei algumas consternadas letras sobre o assunto. Não pelo facto de a mãe ser uma figura pública, não pelo facto de ele ser jovem e a morte, aparentemente, ser estúpida, mas pelo facto de ser uma mãe, como milhares de outras mães que vêm um filho partir estupidamente. Porque sou mãe. E porque para um pai ou uma mãe, perder um filho, é a coisa mais contra natura que existe. Foi uma dissertação generalizada, não alheia ao facto de, no caso, ser despoletada pela noticia de quem era, mas igualmente não alheada do drama diário que se vive no anonimato e do qual, todos os dias da minha vida, sou grata por não fazer parte.

Sucede que o caso em apreço me mereceu, logo em seguida, algumas outras cogitações. Perante a morte anunciada e confirmada publicamente, à dor associava-se como indissociável o pedido de respeito pelo silêncio. Nisto, nada de estranho, nem de reprovável. Muito antes pelo contrário. Mas emergindo do meio de onde emergiu, a constatação que me toca e indigna é a da coexistência de dois pesos e duas medidas.

É verdade que a falta de ética prolifera no mundo de hoje, sem pedir licença ou manifestar pudor. Da política ao desporto, passando pela igreja, justiça e mundo empresarial, as regras estão aparentemente subjugadas a um sem numero de factores que fazem tábua dos mais básicos valores que aprendemos como vitais à vida em sociedade. O jornalismo, infelizmente, muitas vezes, no topo da lista. Em nome da verdade, devasse-se a vida privada, invade-se o espaço físico, mental e moral. Inquire-se, vasculham-se fontes (tantas vezes de veracidade duvidosa, mas que importa?), divulgam-se suspeitas, condena-se e ponto final. Há gente com ética em todas as profissões? Há, pois, sim senhor! Felizmente!

Não se trata , pois, aqui de julgar a mulher-mãe como profissional, nem tão pouco de sobrepor dissertações sobre ética à sua dor. Judite de Sousa pediu contenção e respeito pela sua perda. Eu percebo. Todos percebemos. O que talvez menos se perceba é que, uma semana depois, isso ainda seja assunto. Ou melhor, talvez perceba, porque a razão de fundo se prende com a óbvia subversão das regras do jogo.
Ontem à noite, Marcelo Rebelo de Sousa, interpelado a esse respeito, mantendo acesa a noticia não-noticia - convenhamos, todos os dias morrem jovens de 29 anos deixando atrás de si interrogações sem resposta e dores dilacerantes nas suas familias e amigos - assinalava pela positiva e com manifesto regozijo, aquilo que nas suas palavras foi o facto de a classe jornalistica ter-se portado de forma exemplar, na forma como acompanhou, respeitou e deu cobertura ao desenrolar dos acontecimentos deste caso específico...

Nenhum juíz quer ser penalizado, em assunto que lhe diga respeito, por uma sentença mal dada e viciada da mais pura ausência de bom senso. Nenhum advogado deseja, em causa própria, ver arrastar-se no tempo o seu processo por excesso de manobras de expediente dilatório. Nenhum médico deseja estar nas mãos de um colega que ignore a forma como sofre, mais do que física, moral e emocionalmente, e que o trate como não se trata um cão. Nenhum empresário interioriza como medida de progresso e produtividade que imponham à sua mulher ou à sua filha prazos úteis para assumir uma maternidade desejada...

Nenhuma noticia acontece só aos outros. O sol, quando nasce, é para todos. A ética também devia ser.

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