20.7.14

Crónica sobre (duas) rodas





A desgraçada vive entalada, devotada ao quase abandono, durante mais tempo do que a minha vontade de sair com ela devia permitir. Não sei mesmo como nos dias de desvairado calor o ferro não se fundiu já e as rodas não derreteram qual Mozzarella em cima de pizza no forno. Quando finalmente lhe pego, reclama. Acusa artroses nas rodas quase empenadas, dilatação das borrachas, inchaço e retenção de líquidos nos travões... É branca. Batizeia-a de Imaculada quando há quatro anos nasceu para mim. Suponho que por ter nome de gente se presumiu do direito de ter hormonas. É um direito que quase lhe assiste.
Ultimamente, faz-me a vida negra quando lhe instalo a roda da frente - desmontar é requisito indispensável para caber dentro do carro. Enche-se de manhas, troca-me as voltas e eu, muno-me da melhor paciência que me habita e dou-lhe desconto. De verdade, sei que lá tem as suas razões para tanto mau feitio.
Esta coisa de fazer longos kms sozinha tem o seu quê de desafio à sorte. Bem, o sozinha leia-se stricto sensu. O percurso é acompanhado pelas famílias, pelos grupos, pelos solitários e pelos pescadores. Não, não me refiro aos que usam linha. Estes são mais da linhagem dos piscadores e dos assobiadores e têm no ecossistema social a mesma nobre função que as moscas no da natureza. Incomodam. Mas regressando ao que interessa. Penso sempre qual será o dia em que quando estiver longe um pneu se esvazia, a corrente se parte e a volta se vai fazer a pé. Eu sei. Eu sei que os pro's andam todos artilhados com bombas, chaves, capacetes, e outros úteis etc´s. Mas eu não sou pro. Eu sou só uma grande e antiga apaixonada destas duas rodas sem barulho de motor!
Mas hoje, hoje a festa estava armada e acho que nem mesmo a minha paciência seria suficiente para a convencer. Estava eu ajoelhada junto dela, como se faz quando descemos à altura das crianças birrentas, quando a espontânea gentileza de um cavalheiro - dos todos artilhados, pois claro! - me safou. Não fosse o seu olho clínico e as suas mãos de profissional, e tinha ido cumprimentar o Vasco da Gama e voltado para casa com um feitio pior do que o dela. Abençoado Sr. Qualquer Coisa! Simpático, solícito, boa onda, de quem não sei o nome nem ele o meu, que me salvou o dia e me instalou um sorriso de orelha a orelha. Despediu-se com um franco e enérgico "boa viagem!". Querem coisa mais linda?
Muitas horas e cerca de 26 kms depois, abstraindo-me do magnifico recorte de bronze à padeiro - coisa que no estado de quase lula em que me encontro, graças ao soberbo contributo do Verão deste ano, é ainda mais bonito de se ver- só me resta agradecer mentalmente a senhor do valente bigode à portuguesa! Eu sei que é cliché, mas assim como a bicicleta se chama Imaculada, ele também precisa de um nome. Manuel. Manuel para mim e Manel para a familia e amigos, se me está a ler, um granda bem-haja para si, sim!?


Em jeito de nota de rodapé, duas observações e uma consideração final.

Senhores agentes do trânsito, querendo abichar uns trocos para as férias, é montarem uma banca a meio da Doca de Santo, como fazem atrás das moitas, nas autoestradas onde 140km/h não incomodam ninguém. O pessoal parece não conhecer o sinal de trânsito que em boa hora foi plantado nos extremos da zona de restauração e há descarada infração. Mesmo, mesmo à fartazana. É negócio garantido, vão por mim.

Senhores ciclistas, nas passadeiras não têm prioridade a não ser que circulem com a bicicleta pela mão. Se os condutores não param, não resmunguem e menos ainda insultem... a maioria pára, porque é simpática, ou porque faz o mesmo que vocês, mas não tem rigorosamente obrigação nenhuma. Querem passar na passadeira sem se apear? Sim senhor, eu faço o mesmo. Mas espero e caladinha, como manda a lei.

Sabem, isto de proliferar pela cidade com estilo de vida saudável, como cogumelos nos bosques de outono, não confere estatuto privilegiado. Pelo contrário, exige um assumido e escrupuloso sentido cívico e de respeito pelas regras que protegem os outros e não apenas o nosso umbigo pseudo-ecológico. Há muitas formas de poluir o ambiente. Pensem nisso!



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